quarta-feira, 18 de novembro de 2009

MACHADO DE ASSIS


Aquiles andam por aí que são da cabeça aos pés um imenso calcanhar.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A cegueira ética da humanidade


O Estado de São Paulo, domingo, 1 de março de 2009

O Paradoxo da Moral, de Vladimir Jankélévitch (Ed. Martins Fontes)

Regina Schöpke

Para o filósofo e musicólogo francês Vladimir Jankélévitch (1903- 1985), "o homem é um ser virtualmente ético, que existe como tal, isto é, como ser moral". Mas completa a frase com uma afirmação surpreendente: ele é um ser moral "de tempos em tempos e de longe em longe - de muito longe em muito longe". Sem dúvida, parece haver algum sarcasmo nessas palavras, mas trata-se apenas de simples e lúcida constatação: a de que embora os homens não possam prescindir dos seus valores, a verdade é que passam a maior parte do tempo de suas vidas numa espécie de cegueira moral ou ética, algo que Jankélévitch chama de "eclipses da consciência", "anestesiamento moral". Em outras palavras, o homem vive transigindo com os próprios valores, praticamente alheio aos princípios que diz acreditar: em suma, fala uma coisa e vive outra. Mas basta algo ameaçar o seu castelo de areia e, então, a moral ressurge forte como a guardiã desse homem e da sociedade. "A moral tem sempre a última palavra", diz Jankélévitch.

De fato, nada parece descrever melhor a existência humana do que o eterno conflito, o embate contínuo entre os desejos e as necessidades mais profundas do indivíduo e a vida social, as obrigações e os deveres para com "o outro". Para Jankélévitch, a moral sempre será um problema filosófico, e o primeiro deles, independente de ser chamada de ética ou de qualquer outro nome. Afinal, o homem é um animal social e, nesse sentido, o "outro" (queiramos ou não) estará sempre em nosso horizonte, senão o tempo inteiro, ao menos nos momentos mais drásticos e decisivos. É isso que defende Jankélévitch em seu livro O Paradoxo da Moral. Nele, deparamo-nos não com a exposição de valores morais atemporais, mas com a descrição minuciosa e sensível dos mais profundos dilemas humanos, do desespero diante das difíceis escolhas da vida, do eterno medo de desviar-se das obrigações por causa das paixões e dos prazeres e até mesmo as incertezas de se viver um grande amor, não apenas quando ele se choca com as conveniências sociais, mas pela natureza paradoxal dessa entrega total e atordoante.

Jankélévitch, que ocupou a cadeira de filosofia moral na Sorbonne de 1951 a 1979, usa uma linguagem teológica quando nos fala da vox conscientiae. É assim que descreve esse "outro" em nós, essa voz sem interlocutor ou, simplesmente, a própria consciência "face a face" consigo mesma. E há maior paradoxo do que esse ser cindido, que vê a si próprio (ou pensa se ver)? Num âmbito mais profundo, a consciência é aquela que nos alerta dos perigos, que deseja nos conservar (sobretudo, como seres sociais), que nos lembra das obrigações e deveres. Para Nietzsche, ela é uma espécie de carcereira do homem, e não instrumento que lhe sirva de guia para uma vida plena e real. Shakespeare (no sublime Hamlet) também dizia algo semelhante ao afirmar que é ela que faz de todos nós covardes.

Bem, sendo um conjunto de valores, normas, preceitos, proibições, "palavras de ordem" e ideais, a moral é, no fundo, a voz do campo social e de tal maneira está impregnada em nossa consciência (e inconsciente) que parece mesmo impossível romper com ela. É isso, pelo menos, que pensa Jankélévitch: por mais que nos julguemos livres, os valores que nos constituíram estão sempre agindo sobre nós. Isso é verdade e mais ainda numa moral teológica como a ocidental, que com seu jogo profundo de culpas e remorsos, eleva o drama do indivíduo à enésima potência. O homem, criado dentro dessa moral de renúncias absolutas e sacrifícios pessoais demasiado humanos (diria Nietzsche), não poderia deixar de ser melancólico e confuso. É assim que a sua vida interior, tão bem retratada por Jankélévitch, mostra-se repleta de tormentos, crises de consciência, desesperos profundos e, sobretudo, de pavor diante das paixões e dos prazeres, sempre considerados perigosos para a conservação da vida social.

Mas será mesmo a moral algo inescapável? Será que o "eu" é sempre privado de seus direitos à felicidade ou à liberdade em prol dos "outros"? Sim e não. Claro, somos seres sociais, mas sem felicidade individual também não pode haver felicidade coletiva (e disso entendiam bem os gregos). É verdade que a vida em sociedade exige que o indivíduo ponha o grupo acima de seus desejos mesquinhos e egoístas, mas não de suas necessidades reais, vitais, essenciais; uma moral ou uma sociedade que exige isso age "contranatura", age contra o próprio homem. Eis o que Nietzsche já havia nos mostrado.

Em outros termos, numa moral de renúncia total, o homem torna-se um ser cheio de imposturas e falsidades: eis porque a palavra empenhada e as promessas feitas serão em geral traídas ou cinicamente vividas (porque, no fundo, o homem não consegue e não pode abrir mão completamente dos seus desejos e paixões; ele apenas os viverá de modo hipócrita e atormentado). Se há algo que Nietzsche ensinou de superior a todos os outros filósofos é que tendo sido o próprio homem o criador de seus valores é sempre possível transfigurá-los, recriá-los. No fundo, a diferença capital entre Nietzsche e Jankélévitch é que se, para Jankélévitch, o homem vive anestesiado quando fecha os olhos para a moral que o constituiu, para Nietzsche, a moral acaba se convertendo no próprio anestesiamento do homem quando esses valores estão fundamentados em quimeras e falsos pressupostos.

Jankélévitch conhece bem o homem, conhece a moral de dentro. Mas é Nietzsche quem ensina o caminho da vida sem hipocrisias. Ele faz a guerra contra os valores que nos condenam a viver covardemente, a aceitarmos nossa condição como inexorável, a tratarmos como pecado e tentação o que é parte do nosso ser. Se Jankélévitch fala em elevação moral, Nietzsche fala em elevação real. Afinal, para o filósofo alemão, "elevar-se" significa viver de fato os valores na sua máxima potência, e não só de "tempos em tempos". Mas, para isso, é preciso estar em consonância consigo mesmo e com a vida (e não contra ela). É preciso, antes de qualquer outra coisa, ter coragem de romper as amarras e viver de verdade.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

SER CRIANÇA É UMA MERDINHA!


Tão ruim quanto ser velho é ser criança. Na verdade, é até pior, porque é bem provável que a criança de hoje ainda tenha que ser o velhote gagá de amanhã. Quando é bem pequena, a criança passa quase todo o seu tempo comendo, dormindo, chorando e fazendo caca (às vezes, tudo ao mesmo tempo). Depois, quando vira um adulto, a ex-criança continua fazendo as mesmas coisas, só que algumas às escondidas. A criança que não tem pais quase sempre cresce cheia de complexos e acaba virando psicopata. A criança que é rejeitada ou maltratada pelos pais acaba crescendo cheia de complexos e virando psicopata. Já a criança que é muito mimada pelos pais cresce cheia de complexos e acaba virando bichinha e psicopata. Daí, deduz-se que todo mundo é psicopata, o que está totalmente de acordo com o atual estado da civilização humana. Quando a gente é criança pode fazer quase tudo: andar pelado no meio da rua, cagar no tapete persa e passar a mão na bunda da vizinha. Quando a gente é criança não pode fazer nada, a não ser essas bobagens que foram mencionadas anteriormente. Apesar disso, Freud sustenta que as crianças já têm sexualidade, embora ela só sirva para criar o "complexo de Édipo". Dizem que Freud inventou a psicanálise para poder justificar o seu ódio pelo próprio pai e a vontade de transar com sua mãe. Dá para ver que Freud tinha mesmo muitos problemas, especialmente olhando para algumas fotos da mãe dele. As crianças podem ser afetadas por várias doenças, podem ser atropeladas, atingidas por balas perdidas, sequestradas, abusadas por tarados e adotadas pela Madonna ou pela Angelina Jolie. Se a criança sobrevive a todas essas desgraças, ela se torna adolescente e tudo piora infinitamente, pois ela já não se satisfaz com as coisas infantis e ainda não pode fazer quase nada do que faz um adulto. Numa tentativa de tornar a vida das crianças menos ilusória, os pais modernos enchem os filhos de compromissos e obrigações, para acostumá-los a sofrer desde sempre. A melhor fase da vida de uma criança é a que começa na vida adulta, quando o sujeito pode se lembrar dos tempos de infância sem incluir os momentos de tédio e de sofrimento. Ser criança é como comer merengue: no começo é bom, depois enjoa, mas quando o merengue acaba dá vontade de comer de novo...

RENNANZINHO

terça-feira, 10 de novembro de 2009

AS SABEDORIAS DA OLIVINHA


Participação afetiva: Friedrich Nietzsche

Lutero disse que Deus não subsistiria sem homens sensatos, mas se esqueceu de dizer que ele poderia fazê-lo menos ainda sem os insensatos.

Nossos ouvidos estão abertos unicamente para as perguntas para as quais podemos encontrar respostas.

A solidão absoluta me parece cada vez mais a minha fórmula essencial, minha paixão fundamental. Cabe a nós provocar este estado, no seio do qual criamos nossas mais belas obras, e é preciso saber sacrificar a isso muitas coisas.

Me parece que, para os animais, o homem é um dos seus que perdeu o sentido da existência de uma forma perigosa. Eles o vêem como um excêntrico que ri, que chora e que se consagra à desdita.

Detesto os costumes duradouros. O fato de que uma circunstância se torne algo permanente me faz sentir como se um tirano se aproximasse de mim ou como se a atmosfera ficasse envenenada.

Chamo o meu sofrimento de “cachorro”. É fiel, inoportuno, desavergonhado, gracioso e inteligente como esse animal, e posso discutir com ele e descontar nele o meu mau-humor, tal como os demais fazem com um cachorro verdadeiro, com os seus empregados ou com a sua mulher.

Evidentemente, a minha cabeça não está bem colocada sobre os meus ombros, já que todos sabem melhor do que eu aquilo que eu devo fazer. Talvez sejamos todos como estátuas nas quais foram postas cabeças alheias. E não digo isso para ti, meu próximo, que és uma exceção.

O segredo para ter uma existência fecunda e feliz está em viver perigosamente.

Alguém é verdadeiramente livre quando deixa de sentir vergonha de si mesmo.

Nos encontramos dentro de uma prisão; a única coisa que podemos fazer é crer que estamos livres.

O homem religioso é uma exceção dentro da religião.

A fé nunca pôde remover montanhas, como vulgarmente se afirma. Pelo contrário, ela é capaz de colocar montanhas aonde elas não existem.

domingo, 8 de novembro de 2009

HOMENAGEM AO REI DOS ARTISTAS


Em um dia de grande inspiração, Platão conclamou os homens que – por sua visão clara e precisa das coisas – podiam abandonar a caverna da ignorância, a retornarem para junto de seus irmãos menos afortunados, a fim de guiá-los pelos caminhos da sabedoria. Agora, passados quase 25 séculos, estamos diante de um fato que se repete (ó, bendito eterno retorno!): deixando por momentos o alto de sua morada celeste, nosso venerado Rei volta novamente seus olhos para uma humanidade sedenta de iluminação. Como se um homem comum fôra (e, aqui, não poderíamos deixar de fazer uma analogia com Cristo, outro rei não menos importante), nosso mestre utiliza as páginas de um grande jornal – ainda maior, agora que conta com a sua presença – para mostrar uma luz no fim do túnel para uma arte que vem perdendo sua nobreza original, conspurcada pelos mesquinhos interesses monetários e materialistas. Quando tudo parecia perdido, eis que surge esse Dom Quixote redivivo, com sua pena guerreira sempre pronta a demolir os moinhos de vento da ignorância e do obscurantismo. Sófocles e Ésquilo, Shakespeare e Racine, Nelson Rodrigues e Pernambuco de Oliveira podem sorrir novamente em sua eterna morada, sabendo que as artes cênicas renascem das cinzas graças ao sopro benfazejo de seu novo protetor. Ave Rei, a ribalta te saúda!!!

sábado, 7 de novembro de 2009