terça-feira, 20 de outubro de 2009

DISPENSATA


A propósito do artigo "A palavra como agente do preconceito e do fanatismo", de Regina Schöpke

Mauro Baladi

Desde que os homens aprenderam a falar, apresentou-se concretamente no mundo o problema da equivocidade. Afinal, as palavras dizem as coisas mas não “são” as coisas. No entanto, pela própria natureza do nosso conhecimento, nosso cérebro e nossa comunicação estão continuamente lidando com conceitos, ou seja, com palavras, enquanto os seres concretos permanecem – e permanecerão sempre – realidades inalcançáveis. Assim, a palavra pode adquirir muitas vezes um valor que a torna mais verdadeira do que aquilo que ela descreve. Outras vezes, a palavra adquire vida própria e cria uma pretensa realidade, tal como alguns grandes homens da Antiguidade substituíam seu começo de vida obscuro por alguma narrativa mitológica que os transformasse de bastardos em “filhos dos deuses”. Não deixa de ser notável o fato de que justamente os conceitos que têm menos referentes concretos sejam aqueles que mais acendam as paixões humanas. Muito sangue verdadeiro tem sido derramado, ao longo da história, por vãs abstrações como “Deus”, “nação” ou “raça”, e o ser humano tem provado sobejamente que é a criatura mais fácil de iludir. Todo sistema com ambições totalitárias – seja ele político ou religioso – tem necessidade de produzir, para se legitimar e garantir seu poder, um discurso e uma mitologia, palavras de ordem e heróis, slogans publicitários e logomarcas. Não há, no fundo, grande diferença entre um messias, um ditador e um tubo de creme dental, já que os três só têm sua razão de ser quando encontram um público consumidor.