sexta-feira, 12 de março de 2010

O HOMEM E O CÃO, UMA RELAÇÃO DESIGUAL


A propósito do livro Como amam os cães, de Jeffrey Moussaief-Massoun


Mauro Baladi

"Uma história de amizade", tal é a definição mais simples para o relacionamento entre homens e cães. Não um homem ou um cão específicos, mas ambas as espécies, ao longo da história humana e ainda muito antes que o homem tivesse como fazer história. Como resultado desta parceria milenar, os homens puderam contar com as qualidades superiores dos cães (tais como o faro apurado, a velocidade e a dedicação ao trabalho), oferecendo-lhes em troca a segurança contra os predadores, o alimento e o abrigo. Seria, porém, o relacionamento homem/cão apenas uma simples satisfação de interesses mútuos, uma troca de favores materiais surgida das fraquezas do homem primitivo e mantida pelo seu posterior comodismo?

E quanto aos cães? Quais seriam exatamente os seus sentimentos em tudo isso? Trata-se de uma pergunta das mais difíceis, já que sua própria formulação depende de uma constatação que nem todos aceitam: a de que os cães - e os animais, de modo geral - têm sentimentos. De fato, a relação do homem com os animais que lhe são próximos demonstra, na prática, que ainda prevalece uma visão mecanicista, pela qual um animal é uma propriedade, uma fonte de lucro, um instrumento de trabalho ou um objeto decorativo.

Porém, a simples convivência cotidiana com os animais basta para nos convencer de que a falta de sentimentos não está, decididamente, do lado deles (já que nunca soubemos de animais que construíssem abatedouros ou jaulas para seres humanos, ou que os vendessem). Deixando de lado estas considerações éticas, como podemos saber - com alguma certeza - o que sentem nossos cães e como eles nos vêem?

Um bom lugar para buscarmos a resposta para esta pergunta é, certamente, o livro de Jeffrey Moussaief-Massoun, Como amam os cães. Ex-professor de sânscrito e renomado psicanalista, Moussaief-Massoun dedica-se há alguns anos à etologia (ciência do comportamento animal), tendo publicado anteriormente Os elefantes não choram. Com este livro, seu objetivo principal é esclarecer o caráter dúbio de nossas relações com os cães, sempre na linha intermediária entre o amor e o interesse. Afinal, o cão seria um amigo fiel, capaz de qualquer sacrifício por amor ao seu dono ou não passaria de um mero adulador, sempre pronto a qualquer sacrifício para garantir a próxima tigela de comida?

Esta última interpretação prevalece entre aqueles que não conhecem os cães e têm como parâmetro os próprios seres humanos. Porém, basta conviver com este animal para não se ter mais dúvidas de que ele é, de fato, nosso melhor amigo (em muitos casos, o único). Vivendo instintivamente em grupo, o cão inseriu-se na família humana como em uma nova matilha, pela qual se sente responsável e que protege incansavelmente. De nossa parte, transformamos o cão em um animal semi-humanizado, tornando-o dependente de nossa afeição e de nossos cuidados.

Como nos mostra Moussaief-Massoun, a questão da veracidade do amor do cão se resolve pela sua simples incapacidade de fingir, já que ele não dispõe da sofisticada inteligência que nos permite assumir vários papéis, mudando de máscara conforme os nossos interesses. O cão é sempre ele mesmo e é esta espontaneidade que nos causa tanta estranheza (já que estamos preparados, como homens, para conviver com a dissimulação).

Passando para o lado oposto, deveríamos perguntar: Os donos amam seus cães? Aí, a resposta seria muito mais difícil, pois os homens costumam chamar de amor a muitas coisas que não passam de afetividade doentia, fetichismo ou camaragadem (que é, no final das contas, a simples convivência compulsória). Prova de que um afeto verdadeiro e profundo não é muito frequente é a facilidade com que os cães são sacrificados na doença e na velhice ou substituídos na morte, coisas que os homens dificilmente fazem com aqueles a quem chamam de seus "entes queridos".

Por isso, é uma grande sorte que os cães não possam falar ou escrever, já que provavelmente usariam sua inteligência e percepção para denunciar a nossa hipocrisia, nos abandonando sem apelação. Mais sorte ainda é que eles não possam conhecer a história de sua relação com o homem, para saber o quanto é desigual o "contrato" que os uniu. Em troca de alguns afagos e restos de comida, o homem recebeu do cão tudo o que este tinha para dar: uma vida de dedicação integral e uma afeição irrestrita.