quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

DISPENSATA


Sempre interessados em mostrar "o outro lado" das questões que agitam a sociedade contemporânea, convidamos para o debate de hoje dois dos mais representativos líderes do pensamento de esquerda no século XX, dois homens que personificam - de uma forma radical - várias gerações da história política de suas respectivas nações. De um lado, Nicolai Ceausescu, grande artífice do Estado romeno; do outro, Enver Hoxha, o pai da Albânia moderna. A partir da constatação de que as forças de esquerda voltam-se cada vez mais para um novo modelo de Estado, no qual o voto e a representação populares seriam substituídos por conselhos formados por ONGs e sindicatos, resolvemos propor aos nossos convidados o seguinte tema: EXISTE ESPAÇO PARA A DEMOCRACIA NO NOVO MILÊNIO?

NICOLAI CEAUSESCU = Creio que a pergunta é impertinente, pois supõe que exista neste mundo alguma coisa concreta que possa ser chamada de "democracia". Na verdade, esta palavra não serve para definir outra coisa além de uma forma grotesca da demagogia e do populismo, de uma propaganda enganosa de fundo imperialista que leva as massas a crer que estão, de fato, interferindo no fazer histórico de um modo individual. Longe de pensarem na ridícula possibilidade de escolher "representantes" para ditarem os rumos da nação - representantes que acabam por se constituir em uma elite com interesses totalmente diversos dos interesses do povo - as massas precisam se conscientizar de que o verdadeiro caminho é dissolver-se no grande corpo do Estado, do qual elas são as células vivas, abandonando qualquer resquício de interesse pessoal, individualista e egoístico.

ENVER HOXHA = Discordo totalmente da opinião do bravo camarada, embora reconheça que o seu raciocínio não deixe de ter pontos elogiáveis. É indiscutível que a idéia de "democracia" não se sustenta por um só instante fora do discurso demagógico de alguns risíveis defensores das pretensas liberdades individuais. Porém, não vejo necessidade nenhuma de que as massas se "dissolvam" no corpo de Estado, porque é óbvio que essas massas "são" o próprio Estado, sem o qual a massa se desagregaria em ínfimas particulas, transformando-se na poeira da história. Preconizar o abandono de supostos interesses individuais é algo inútil, na medida em que esses interesses são uma ilusão, o fruto venenoso da propaganda capitalista ocidental (que eu, como um líder previdente, extirpei da sociedade albanesa). O mundo capitalista alardeia o individualismo porque pensa o homem como um ser consumidor de bens e gerador de lucro. No mundo socialista, pelo contrário, o homem e a sociedade estão em uma perfeita integração, pois as massas não produzem ou consomem além das suas reais necessidades. O grande erro do camarada Ceausescu é supor que existe uma escolha a ser feita. Existirá escolha entre o bem e o mal? Entre a saúde e a doença? Só existe a possibilidade dessa escolhe em uma sociedade pervertida pelo livre-arbítrio. Subtrair-se ao interesse do Estado ou opor-se a ele é, nesse caso, agir como um vírus que precisa ser imperativamente eliminado do grande organismo.