sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

JAZIGO DA POESIA (5)


PERI NO BANQUETE DOS CANIBAIS

Poema indianista vagamente inspirado
em um rodízio de picanha


Peri, o índio famoso,
Que de Tupã descendia
Foi convidado a jantar
Embora fosse de dia

Chegando sem arco e flecha
Na aldeia canibal
Viu Peri um grande horror
Que o deixou passando mal

Na fogueira já torrava
Num espeto muito grosso
Um sujeito que chorava
Mais que cachorro sem osso

"Eis a nossa refeição!"
Gritava o velho cacique
Que, de tanta água na boca,
Já estava tendo um chilique

Para não fazer desfeita
Peri tomou seu lugar
E foi logo tendo início
O suculento jantar

"Peri vai querer linguiça?"
Disse uma índia enrugada
"Obrigado, mas dispenso...
Vou comer só a salada"
"O que é isso, meu rapaz?"
Gritou de longe o pajé
"Se está sem apetite
Pelo menos coma um pé!"

Num prato, o pé foi servido,
Com cebola e rabanete
Nem ao menos foi tirado
Um enorme joanete

Peri hesitava muito
Mas, sem poder evitá-lo,
Resolveu que começava
Comendo um pequeno calo

Porém, triste é o ser humano,
Sem alma, sem conteúdo
Quando bate a dor da fome
Um homem come de tudo

Peri acabou com o pé
E logo queria mais
"Agora eu quero é carne
Me vê a parte de trás!"

O cacique, entre uns arrotos,
Bêbado das aguardentes
Chorava a sorte do morto
Que jazia entre os seus dentes
"Ele era um bravo guerreiro
Belo, forte, inteligente
Pena não estar aqui
Pra poder comer com a gente"

Peri não ouvia nada
Mamando muito cauim
Enquanto experimentava
Um bom pedaço do rim

Já pra lá de satisfeito
O chefe bebum contava
Uma história muito estranha
Que ninguém mais escutava

"Há um branco bunda-mole
Vivendo pra lá da serra
Que, mesmo passando fome,
A boa comida enterra"

"Noutro dia, o convidamos
Pra conhecer nossa aldeia
E, em honra, lhe preparamos
Uma saborosa ceia"

"O homem, mal-educado,
Jogou a comida fora
Mesmo sabendo que o prato
Servido era sua nora"
Interrompendo essa história
Aliás, muito cretina,
O chefe saiu correndo
Entre peidos, pra latrina

Já com a pança mais que cheia
Peri deixou sua mesa
Quando um garçom indigente
Apresentou-lhe a despesa

Era dinheiro demais
Um preço muito salgado
Pra desfrutar o prazer
De comer um homem assado

Peri logo foi falando
Que nada, por si, pagava
Já que por ser índio nu
Com carteira não andava

Veio o cacique à frente
De um bando de homenzarrões
Todos com as caras feias
E, nas mãos, grandes facões

"Peri - disse o velho sábio -
Comeu até fazer bico
Tem que ajudar na despesa
Nosso povo não é rico"
"Mas eu sou um convidado!"
Disse o guarani valente
Que, sem demonstrar cuidado,
Até palitava o dente

"Que cara de pau cobrar
Pela carne que eu comi
Com tanto nervo e gordura
Me fez lembrar a Ceci!"

O cacique admirado
Com a coragem desse moço
Mandou suspender a nota
E comeu Peri no almoço.

MEFISTÓFELES GOMES