sábado, 19 de dezembro de 2009

A MARAVILHOSA HISTÓRIA DAS PORCENTAGENS


No início, o mundo tinha 0% de existência. Porém, Deus, que dispunha de 100% do poder, resolveu que valia a pena investir seus lucros excedentes na criação. Sua primeira medida, após a subtração incondicional do nada, foi separar a terra e o céu, numa divisão de 50%. Depois, ele separou as terras das águas, mas não estava mais tão igualitário e deixou que a parte líquida ficasse com 75% do nosso planeta.
Quando havia completado cerca de 85,714285% de sua tarefa criadora, Deus resolveu fazer o homem, um boneco de lama seca que representava 0,00000000000000000000000000000000001% da natureza, mas que conseguiu o privilégio de comandar os outros 99,99999999999999999999999999999999999% (dando origem a um estado de coisas que ainda hoje quase todos nós conhecemos muito bem). Mas, embora dispusesse de 100% de tudo o que existia, Adão andava triste (provando que o ser humano nunca está mesmo satisfeito com nada).
Assim, Deus decidiu motivá-lo, desfazendo o monopólio e criando para ele uma concorrente, Eva, que ficasse com 50% de todo o mercado, a fim de que ele pudesse sentir que ainda havia algo para ser conquistado. Privado subitamente de metade daquilo que possuía, Adão obviamente não ficou nada satisfeito. Porém, Deus tinha 100% de sabedoria e tomou logo duas providências: em primeiro lugar, deu a Adão a possibilidade de associar-se com Eva na qualidade de acionista majoritário; depois, decretou que, em caso de rompimento da sociedade, Adão teria que dar mensalmente a Eva 30% de tudo aquilo que ele tinha ou que porventura viesse a ganhar.
Porém, a sensação de felicidade de Adão durou pouco, já que Eva - 100% curiosa, como 100% das mulheres - aceitou o convite para comer um certo fruto e quis partilhá-lo com seu marido, o que ocasionou a mais grave divisão da proto-história da humanidade. Da falência da perfeição inicial, surgiram então o bem e o mal, ficando cada um com 50% de domínio sobre as ações e sentimentos dos seres humano (embora essa porcentagem varie bastante, chegando a extremos absolutamente surpreendentes).
Perdendo boa parcela da confiança divina, Adão e Eva foram expulsos para todo o sempre do paraíso e passaram a ter que lutar 100% do tempo pela própria sobrevivência, como qualquer microempresário. Para complicar as coisas, Eva pegou a mania da multiplicação e logo reduziu Adão à condição de 25% da humanidade, tendo dois filhos. Mesmo não sendo 100% feliz - como nos tempos em que não dava duro e tinha a garantia de viver eternamente - Adão ia levando a sua vidinha, com o consolo de poder dividir suas misérias com Eva, Caim e Abel.
Porém, o jovem Caim apresentava sérios distúrbios de comportamento, principalmente porque não se conformava com o fato de que Deus tivesse uma certa preferência majoritária por seu irmão Abel (um rapaz tão esperto que já era pastor antes do surgimento das igrejas evangélicas). Convencido de que a Divindade não repartia igualmente os seus favores, ele pode ser considerado legitimamente como a primeira liderança camponesa a ter lutado por justiça social (assim como também o primeiro adolescente problemático).
Já naquela época, Deus impunha um dízimo aos seus fiéis, e Caim - rigoroso com suas obrigações - levava para o Senhor exatíssimos 10% de tudo aquilo que era colhido em suas plantações, subtraindo-se assim da cólera divina. Porém, muito mais malandro - tanto que parecia ter puxado à serpente, e não aos seus pais - Abel levava para Deus uma porcentagem um pouco maior dos seus rebanhos, sabendo que todo superior sempre gosta que seus subordinados façam mais do que teriam a obrigação de fazer por eles.
Não suportando mais a desigualdade de tratamento, Caim perdeu a cabeça e assassinou seu irmão, reduzindo a humanidade em 25% do seu total (o que, em termos percentuais, o transforma no maior genocida de todos os tempos). Porém, seu crime não poderia ficar impune (ou até poderia, se ele vivesse nos dias atuais e tivesse algum dinheiro e influência) e Deus - ao mesmo tempo despeitado com a perda de seu favorito e do dízimo e cheio de remorsos (com a consciência de que havia sido o maior responsável pelo crime) - surgiu, ordenando com sua voz trovejante:
- Ó, Caim! Tu conseguiste aumentar em 8,333% a tua participação acionária na sociedade humana. Porém, foste marcado com 100% de infâmia e deves partir, para recomeçares tua empresa dos 0%!
Muito assustado e estúpido - por não perceber que não havia mais ninguém no mundo, além dos seus pais, para abominar seu crime - Caim fugiu para não ser apanhado em flagrante (dando origem a um hábito ainda muito em voga entre os nossos criminosos mais respeitáveis).
Desde então, muitos anos se somaram nos calendários e a humanidade multiplicou-se de maneira assombrosa, inspirada no exemplo de Eva. Porém, Caim também marcou seus descendentes com um fortíssimo espírito de divisão, transformando a aventura do homem numa autêntica batalha entre as quatro operações, na qual a única coisa 100% garantida é que não temos nenhuma chance de vitória.