
Mauro Baladi
Resenha do livro HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL, de Luciano de Crescenzo (Tradução de Mário Fondelli, Editora Rocco)
Um médico poderia, certamente, ser competente e curar seus pacientes sem ter o menor conhecimento de história da medicina. Tudo o que ele necessita é de um saber "prático", embasado em teorias que não dependem de um autor. Com a filosofia, a questão é bem diferente. É óbvio que nenhum filósofo depende de outro para pensar, mas o diálogo com seus precursores é sempre inevitável e imprescindível. É como se a história da filosofia funcionasse como uma espécie de mapa para os que iniciam sua jornada, pois ela indica aos novos viajantes os grandes caminhos traçados pelos antigos.
Uma história da filosofia sempre é, basicamente, uma síntese das doutrinas de diversos filósofos ou dos grandes temas da reflexão filosófica. Eventualmente, alguns autores mais críticos (como Aristóteles, Schopenhauer ou Nietzsche) afastam-se da simples compilação e constróem a história a partir do seu "ponto de vista". Porém, por mais brilhantes que sejam, estas histórias subjetivas já não podem ser os "mapas" que mencionamos acima, já que o mérito de um bom mapa é a sua objetividade.
Essa observação surge à propósito da "História da filosofia medieval" de Luciano de Crescenzo. Crescenzo - engenheiro italiano que se tornou escritor e cineasta de sucesso - é certamente um amante da filosofia (esse livro dá continuidade a uma "História da filosofia grega" e já foi seguido por uma "História da filosofia moderna"). Porém, ao percebermos que sua obra se propõe a apresentar a filosofia aos leitores não-especializados, não podemos deixar de considerá-lo um amante bastante "infiel".
Não ter grandes conhecimentos matemáticos não é algo que aborreça ninguém, pois quase todos reconhecem que esse saber é para poucos. Porém, quando o tema é a filosofia, muitos se sentem ofendidos com a própria ignorância, e não faltam os bons samaritanos dispostos a mastigar todo o saber filosófico para torná-lo acessível aos iniciantes e curiosos. Crescenzo (como fica evidente em vários trechos do seu livro), sente-se parte desse grupo de "excluídos" que clama pelo direito de entender a filosofia por qualquer meio, mesmo que para isso seja preciso dissecá-la com uma serra elétrica.
Esta "pretensa história" - como reconhece o próprio autor - compõe-se de cerca de duas dúzias de pequenas biografias dos mais ilustres filósofos da Idade Média. Sabendo que a vida dos grandes filósofos é uma extensão coerente do seu pensamento, uma lição a mais, não teríamos nada a criticar. Porém, fugindo completamente de uma postura didática (necessária, num livro de divulgação), Crescenzo enche seu livro de digressões humorísticas, lembranças pessoais e, o que é muitíssimo mais grave, "invenções literárias".
É claro que não condenamos os mais antigos naturalistas por juntarem, em pé de igualdade, elefantes e unicórnios, a fênix e o rouxinol, assim como compreendemos que os historiadores do passado não tinham condições ou preocupação de filtrar suas informações, dispondo-se a aceitar como fatos objetivos as lendas e a mitologia. No entanto, julgamos que isso não deva ser deliberado. Nada temos contra a ficção; mas, quando se trata de fazer "História", é preciso valorizar a precisão dos dados e chegar a conclusões que não contradigam as premissas.
Para cativar seu leitor, Crescenzo não hesita em inventar citações e diálogos, colocando - literalmente - palavras na boca de seus "personagens". Isso é particularmente grave por se tratar de um livro com pretensões didáticas, destinado aos que desejam entrar em contato com a filosofia (e que, presumivelmente, não têm instrumentos para identificar as liberdades literárias do autor).
Porém, apesar dessas restrições necessárias, é inegável que estamos diante de uma obra simpática, bem escrita e de leitura agradável. Aqueles que conhecem a filosofia e buscam novos pontos de vista sobre ela ou aqueles que apreciam uma boa coleção de anedotas históricas não deixarão de gostar deste livro. Quanto aos que desejam aprender a "filosofar", devemos esclarecer que a filosofia, ao contrário de sua história, não pode realmente ser "ensinada" a ninguém. Ensinar a "pensar" é, para tristeza de tantos professores, uma tarefa inútil ou totalmente impossível.
Uma história da filosofia sempre é, basicamente, uma síntese das doutrinas de diversos filósofos ou dos grandes temas da reflexão filosófica. Eventualmente, alguns autores mais críticos (como Aristóteles, Schopenhauer ou Nietzsche) afastam-se da simples compilação e constróem a história a partir do seu "ponto de vista". Porém, por mais brilhantes que sejam, estas histórias subjetivas já não podem ser os "mapas" que mencionamos acima, já que o mérito de um bom mapa é a sua objetividade.
Essa observação surge à propósito da "História da filosofia medieval" de Luciano de Crescenzo. Crescenzo - engenheiro italiano que se tornou escritor e cineasta de sucesso - é certamente um amante da filosofia (esse livro dá continuidade a uma "História da filosofia grega" e já foi seguido por uma "História da filosofia moderna"). Porém, ao percebermos que sua obra se propõe a apresentar a filosofia aos leitores não-especializados, não podemos deixar de considerá-lo um amante bastante "infiel".
Não ter grandes conhecimentos matemáticos não é algo que aborreça ninguém, pois quase todos reconhecem que esse saber é para poucos. Porém, quando o tema é a filosofia, muitos se sentem ofendidos com a própria ignorância, e não faltam os bons samaritanos dispostos a mastigar todo o saber filosófico para torná-lo acessível aos iniciantes e curiosos. Crescenzo (como fica evidente em vários trechos do seu livro), sente-se parte desse grupo de "excluídos" que clama pelo direito de entender a filosofia por qualquer meio, mesmo que para isso seja preciso dissecá-la com uma serra elétrica.
Esta "pretensa história" - como reconhece o próprio autor - compõe-se de cerca de duas dúzias de pequenas biografias dos mais ilustres filósofos da Idade Média. Sabendo que a vida dos grandes filósofos é uma extensão coerente do seu pensamento, uma lição a mais, não teríamos nada a criticar. Porém, fugindo completamente de uma postura didática (necessária, num livro de divulgação), Crescenzo enche seu livro de digressões humorísticas, lembranças pessoais e, o que é muitíssimo mais grave, "invenções literárias".
É claro que não condenamos os mais antigos naturalistas por juntarem, em pé de igualdade, elefantes e unicórnios, a fênix e o rouxinol, assim como compreendemos que os historiadores do passado não tinham condições ou preocupação de filtrar suas informações, dispondo-se a aceitar como fatos objetivos as lendas e a mitologia. No entanto, julgamos que isso não deva ser deliberado. Nada temos contra a ficção; mas, quando se trata de fazer "História", é preciso valorizar a precisão dos dados e chegar a conclusões que não contradigam as premissas.
Para cativar seu leitor, Crescenzo não hesita em inventar citações e diálogos, colocando - literalmente - palavras na boca de seus "personagens". Isso é particularmente grave por se tratar de um livro com pretensões didáticas, destinado aos que desejam entrar em contato com a filosofia (e que, presumivelmente, não têm instrumentos para identificar as liberdades literárias do autor).
Porém, apesar dessas restrições necessárias, é inegável que estamos diante de uma obra simpática, bem escrita e de leitura agradável. Aqueles que conhecem a filosofia e buscam novos pontos de vista sobre ela ou aqueles que apreciam uma boa coleção de anedotas históricas não deixarão de gostar deste livro. Quanto aos que desejam aprender a "filosofar", devemos esclarecer que a filosofia, ao contrário de sua história, não pode realmente ser "ensinada" a ninguém. Ensinar a "pensar" é, para tristeza de tantos professores, uma tarefa inútil ou totalmente impossível.